domingo, 8 de maio de 2067

Latido

O teu olhar é terno e transparente,
que fala sem falar, mas com razão;
outrora foste um sábio combatente,
passaste à frigidez de um velho cão…

Passeias pelas veredas, já em vão,
consumindo as saudades do passado:
calmo, sempre lento e mansarrão,
e nessa calma já não entras no silvado…

Retiras mais proveito do teu estado,
olhas com um ar tão seco e sério;
e aqui, neste lugar d`outro passado
deixas-me a pensar no teu mistério…

Contemplas as paisagens como império,
ofereces aos coelhos seu descanso;
dominas, desta vez, este hemisfério,
caminhas no teu passo gasto e manso…

Só de olhar p´ra ti também me canso,
rendido ao teu latir do teu conselho...
Penso em abalar enquanto avanço,
penso em te seguir enquanto és velho...

(1999)

António Prates - Sesta Grande