Isto de fazer uma cantiga,
como a "lei" manda ao poeta
muito tem que se lhe diga,
não sei se noutra me meta.
(mote do Dr. Alexandre Torrinha)
I
Sendo um dom do pensamento,
com palavras num sem fim,
como plantas de um jardim,
enfeitando o chão cinzento;
elas brotam, no momento,
como brota a verde espiga,
um condão que se mastiga
nesta minha opinião...
Eu acho que é vocação
isto de fazer uma cantiga...
II
Bem temperada pela rima,
que lhe dá forma e beleza,
dá sentido e mais firmeza,
se a moral nos vem de cima...
Uma grosa quando lima
pela forma mais concreta,
faz-se trova de profeta,
enfeitada com grainhas,
e as palavras são rainhas,
como a "lei" manda ao poeta...
III
O que é dito pelo mote
é destino e pão da obra;
verso a verso se desdobra,
no sentir de cada dote...
Mete as águas no capote,
quando o pão falta à barriga;
brada alto a quem lhe liga,
exprimindo a sua crítica;
e essa coisa da política,
muito tem que se lhe diga...
IV
Um actor, quando declama
o que manda o sentimento:
trova amor, sorte e lamento,
pedindo paz como quem ama...
Trovador de cante e chama,
que se exalta na caneta;
entretido nesta faceta,
vou rimando a meu prazer,
e como gosto de escrever,
não sei se noutra me meta...
(2003)
António Prates - In Sesta Grande