domingo, 8 de maio de 2067

Rimas incompletas...

Mote

Proclamo, em versos decentes,
estas rimas incompletas,
que perguntam aos presentes:
quanto valem os poetas?

I
Quanto valem certas obras,
quando as letras são sumidas
pelas artes pervertidas
da tenção das velhas cobras…?
São como as águas salobras,
ou como pontos assentes,
tantas vezes coniventes
com essa ordem social,
e eu, por ser conatural,
proclamo, em versos decentes…

II
Prego estrofes no deserto,
com tumultos na traqueia;
oiço baguinhos d` areia
num silêncio mais que certo…
Nesse afã, todo encoberto,
traço um mote às piruetas,
com algumas indirectas
e com outras mais remotas,
para ver às cambalhotas
estas rimas incompletas…

III
Sabem lá as fartas dunas
se os poetas são o povo,
ou se há algo de novo
nestas rimas oportunas…
São desgraças e fortunas
de quem vê nessas torrentes
muitas taras condizentes
com as vagas intenções,
onde nascem as questões
que perguntam aos presentes…

IV
E aqui, no meio da lua,
as estrofes são reais;
entre amigos e rivais
o vasto plectro continua…
Nessa estância se situa
o ai das rimas indiscretas,
com milagres, malaguetas
e uma estranha poesia,
que perguntam, mais um dia:
quanto valem os poetas?

(2012)

António Prates - In Sesta Grande